Sobre o Livro
Título: Ensaio Sobre A Cegueira
Autor: José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Número de Páginas: 312
Ano de Publicação: 1995
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Resenhar Saramago é uma tarefa e tanto: corre-se o risco de não ser possível transmitir toda a intensidade e genialidade de sua obra, talvez só possíveis de serem compreendidas, de fato, através da leitura de seus livros. Tive meu primeiro contato com sua escrita por meio de Ensaio Sobre A Cegueira, obra desejada por mim há tempos, tanto pelo seu renome quanto por ter assistido ao filme, dirigido por Fernando Meirelles e adaptado por Don McKellar em 2008.
Em Ensaio Sobre A Cegueira, um homem repentinamente perde a visão enquanto espera um semáforo abrir. Aos poucos, cada pessoa com quem ele teve contato passa também a cegar, espalhando misteriosamente pela cidade a cegueira branca, como é chamada, uma vez que traz a sensação de um leite ter sido derramado sobre as vistas. Os primeiros a se tornarem cegos são enviados a um manicômio fora de serviço e isolado para permanecerem em quarentena. Dentre eles, segue a mulher do médico, um dos novos cegos. Ela, contudo, é a única que inexplicavelmente teve a visão preservada, apenas colocada em quarentena por ter mentido e, assim, tornado possível acompanhar seu marido.
A escrita de Saramago é um tanto quanto peculiar e, inicialmente, pode causar certo estranhamento a quem não está acostumado com ela: por ter nascido em Portugal, a editora preservou o vocabulário e as estruturas do português lá utilizado e que, em alguns momentos, difere do nosso. Também, o autor mescla narrativa e diálogos, separados apenas por vírgulas e identificados por iniciais maiúsculas a cada nova fala. Contudo, tais características em nada prejudicaram minha leitura; ao contrário, contribuíram para meu total envolvimento com a obra.
“Agora, pelo contrário, ei-lo que se encontrava mergulhado numa brancura tão luminosa, tão total, que devorava mais do que absorvia, não só as cores, mas as próprias coisas e seres, tornando-os, por essa maneira, duplamente invisíveis.”
página 16
Desde o início já fui arrebatada pela narrativa. Saramago faz fortes apelos visuais no primeiro parágrafo do livro e, logo em seguida, traz bruscamente a cegueira do primeiro cego, possibilitando ao leitor também ser atingido por essa mudança abrupta. E as sensações trazidas pelo autor continuam por todo o enredo, ora visuais, pela visão da mulher do médico, e majoritariamente olfativas e táteis, talvez ainda piores do que as primeiras. Da mesma forma, os sentimentos das personagens são completamente evidentes e capazes de afetar inteiramente o leitor. A combinação desses com os organolépticos resultaram em uma sensação de aflição quase insuportável em diversos instantes, fazendo com que a leitura traga o paradoxo do horror proveniente das situações vivenciadas pelos personagens aliado ao vício e envolvimento que o livro propicia.
Outras características, ainda, contribuem para a ideia da degradação humana trabalhada em toda a obra, como a ausência de nomes das personagens, indicando a perda de suas identidades: tanto o reconhecimento do mundo e dos demais habitantes por elas não se dá mais da mesma maneira quanto elas próprias deixam de reconhecer seus limites conforme a história se desenrola – são várias as situações em que se vêem agindo de uma forma antes totalmente inimaginada.
“Ninguém fez perguntas, o médico só disse, Se eu voltar a ter olhos, olharei verdadeiramente os olhos dos outros, como se estivesse a ver-lhes a alma, A alma, perguntou o velho da venda preta, Ou o espírito, o nome pouco importa, foi então que, surpreendentemente, se tivermos em conta que se trada de pessoa que não passou por estudos adiantados, a rapariga dos óculos escuros disse, Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos. ”
página 262
A cegueira, embora de central importância para a trama, não é seu foco, não interessando ao autor explicá-la, entendê-la ou desvendá-la. Ela é a personagem que a todos afeta, mas mantêm-se observadora do caos que origina. A intenção de Saramago está justamente na consequência que a cegueira traz: a degradação do homem e o total retrocesso da civilização. O autor explora os níveis précarios atingidos pelo ser humano, ressalta os instintos trazidos à tona no caos, analisa os mais controversos sentimentos que tomam seus personagens. Ao mesmo tempo, procura resgatar sentimentos e conceitos valiosos, trazer a verdadeira lucidez por meio das reflexões construídas no romance.
A leitura de Ensaio sobre a cegueira pode, também, ser feita de maneira bastante simbólica, buscando diferentes significados tanto para a cegueira quanto para as temáticas e situações desenvolvidas. Esse não foi o meu caso, simplesmente imergi na temática da degradação e degustei cada parte magistralmente trabalhada por Saramago. Independentemente da leitura feita por cada um, são inquestionáveis a riqueza e a complexidade da obra, responsáveis por colocá-la na posição de destaque e importância que ocupa no cenário da literatura contemporânea mundial.
Sobre o Filme
Lembro-me de quando assisti a Ensaio sobre a cegueira há alguns anos. Além de ser a adaptação da renomada obra literária, o filme é dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles, conta com Alice Braga no elenco e teve parte de suas cenas rodadas na capital paulista. Sem dúvida alguma me interessei por assisti-lo e, quando o fiz, fui tomada de uma admiração por sua qualidade e de uma aflição imensa pelas cenas apresentadas. Após alguns anos, contudo, pouquíssimas e aleatórias imagens foram preservadas em minha memória, e, ao reassistí-lo, foi como se o estivesse vendo pela primeira vez, conhecendo o enredo apenas por ter finalizado a leitura do livro alguns dias antes.
Desde o início fica nítida a importância da fotografia para o filme. Há um uso intenso de imagens de alta luminosidade e/ou brancas, de forma a simularem a cegueira. Além disso, imagens desfocadas também assumem essa função. Com o desenrolar da história, aumenta também a presença de cenas escuras, acompanhando as temáticas mais sombrias assumidas pelo enredo conforme a degradação das personagens e a gravidade das situações vividas se intensificam. Algo que também chamou minha atenção foi a luminosidade ao redor de Julianne Moore, a esposa do médico: suas roupas são predominantemente mais claras, sua maquiagem a torna mais pálida e tais efeitos são reforçados pelas luzes utilizadas. A explicação para tal se encontra no fato da personagem ser a única a manter sua visão – a representação exclusiva da lucidez em meio a cegueira, vista aqui também de maneira metafórica.
O filme foi extremamente fiel à obra de Saramago, tendo mantido praticamente todas as cenas do livro e alterado alguns poucos detalhes: há algumas poucas inversões de acontecimentos, raras omissões de fatos, ainda mais esparsos acréscimos. Não apenas os acontecimentos foram mantidos como, principalmente, a essência da trama, sendo possível observar tanto todo o horror que o livro desperta quanto a mensagem transmitida pela cegueira.
A visão simbólica da cegueira, a meu ver, foi ressaltada na adaptação de forma a se tornar mais clara perante aos nossos olhos. Em uma das cenas iniciais, o oftalmologista, personagem de Mark Rufallo, conta à mulher o estranho caso do paciente que cegou repentinamente, como também ocorre no livro, e, também como no original de Saramago, cita duas diferentes possibilidades de patologias que poderiam explicar o ocorrido. Ao citar a agnosia, uma das alternativas, sua esposa na hora faz sua correlação etimológica – não conhecimento, ignorância -, o que não acontece na obra literária. Enquanto o autor deixa a ideia subentendida, o filme a revela, ainda que de maneira sutil.
De modo geral, o filme, mesmo sendo uma excelente adaptação, não atinge a magnitude do original. Saramago é mais intenso, mais reflexivo, mais profundo, de modo que, mesmo com todos os recursos do cinema, sua obra ainda assim mexeu muito mais comigo, em termos de emoções e dos meus cinco sentidos. Um filme, por melhor que tenha sido produzido, dirigido e adaptado, jamais conseguiria demonstrar o poder de escrita do autor, apenas sua extraordinária história.
Assista ao Trailer!
Aione,Ouvi falar muito dessa obra,tanto literária como cinematografica,porém ninguém antes tinha colocado de forma tão especial ,comparativo e interessante.Com certeza irei conferir de perto.Bjs!!!