[Resenha] Kindred — Octavia E. Butler - Minha Vida Literária
Minha Vida Literária
21

dez
2021

[Resenha] Kindred — Octavia E. Butler

Em seu vigésimo sexto aniversário, Dana e seu marido estão de mudança para um novo apartamento. Em meio a pilhas de livros e caixas abertas, ela começa a se sentir tonta e cai de joelhos, nauseada. Então, o mundo se despedaça.
Dana repentinamente se encontra à beira de uma floresta, próxima a um rio. Uma criança está se afogando e ela corre para salvá-la. Mas, assim que arrasta o menino para fora da água, vê-se diante do cano de uma antiga espingarda. Em um piscar de olhos, ela está de volta a seu novo apartamento, completamente encharcada. É a experiência mais aterrorizante de sua vida… até acontecer de novo. E de novo.
Quanto mais tempo passa no século XIX, numa Maryland pré-Guerra Civil – um lugar perigoso para uma mulher negra –, mais consciente Dana fica de que sua vida pode acabar antes mesmo de ter começado.

 

Ficha Técnica

Título: Kindred: laços de sangue
Título original: Kindred
Autor: Octavia E. Butler
Tradução: Carolina Caires Coelho
Editora: Morro Branco
Número de Páginas: 432
Ano de Publicação: 2017
Skoob: Adicione
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Resenha: Kindred

Kindred é um dos mais renomados títulos de Octavia E. Buttler, a dama da ficção científica. Publicado originalmente em 1979, o romance histórico traz toques do gênero que consagrou a autora ao mesclar viagens no tempo em meio ao enredo, mas sem fazer desse o foco da obra.

Em seu aniversário, Dana subitamente é transportada da sala de estar de seu novo apartamento com o marido para uma floresta em pleno século XIX, antes da Guerra Civil. Antes que possa entender o que aconteceu, ela retorna ao seu lar. Mas então, horas depois, o mesmo acontece, e sua vida passa a ser incorporada cada vez mais ao século a que ela não pertence.

Kindred foi um dos melhores livros que li no ano, e não consigo pensar nele sem mencionar a leitura ao mesmo tempo tensa e voraz que me proporcionou. Narrado em primeira pessoa pela perspectiva de Dana, já começa em um momento repleto de tensão ao retratar uma cena futura que, naquele instante, não sabemos definir a que parte do romance pertence, se ao meio ou se ao final. Ela não só joga o leitor por completo na leitura quanto instiga a curiosidade sobre o que aconteceu. E é essa a atmosfera permeando a narrativa até as páginas finais, o que me fez devorar o romance em praticamente um dia.

Com uma escrita direta e impactante, Octavia E. Buttler cria com maestria o cenário do sul dos Estados Unidos durante as primeiras décadas dos anos 1800. A escravidão é retratada com a brutalidade característica do que foi — por isso, fica o alerta de conteúdo sensível, já que há passagens bastante violentas —, e se torna ainda mais intragável ao serem acrescidas a ela as complicadas camadas das relações desenvolvidas ao longo do romance. Os personagens são muito bem construídos, de maneira que os contornos entre abuso, dependência, afeto e ódio se perdem em uma controversa mescla emocional. Também, a autora foi muito perspicaz em incluir na trama a questão da ancestralidade, o que confere não só mais um motivo para Dana se submeter a tudo que passa — dentro de suas limitadas escolhas — como também se torna outro ingrediente em suas emoções. Ainda, o fato de ela e o marido serem um casal interracial acrescenta outro item ao debate racial presente em Kindred: para Dana, a experiência no século XIX é muito mais difícil não apenas pelo tratamento que ela recebe ali, mas pela compreensão dela sobre os desdobramentos futuros da escravidão serem diferentes da dele. Seu marido, mesmo horrorizado e ciente da existência do racismo, ainda assim consegue relativizar algumas situações, demonstrando o abismo entre as experiências de se ser uma pessoa branca e uma pessoa negra em uma sociedade marcada por preconceitos raciais.

Em relação à edição da editora Morro Branco, o projeto gráfico de Kindred é belíssimo, sendo a diagramação do livro bastante confortável para leitura. Contudo, por ter sido publicada em 2017, quando havia um atraso a respeito das discussões sobre leitura de sensibilidade, é uma edição que precisaria de revisão nesse sentido. Alguns dos termos utilizados na tradução para se referir a pessoas negras precisam de atualização para não configurarem como inadequados.

No geral, Kindred é daquele tipo de leitura extremamente necessária, seja pelos debates que suscita, seja pela poderosa literatura que entrega. Foi meu primeiro contato com a narrativa de Octavia E. Buttler e fiquei ainda mais curiosa por ler outros de seus títulos.





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